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Uma nova cicatriz

Acordou com uma vontade súbita de se despir emocionalmente. Nunca fizera isso antes. Envergonhada comprou um picolé para ver se passava aquela vontade louca, estúpida, contida como sempre. Não passou. Caminhou pelas ruas da cidade, passou por praças, tirou fotos, observou pessoas, mas nada tirava aquela vontade insana da cabeça. Ouviu música, mexeu no computador, assistiu tevê e, ainda assim, a maldita da vontade estava lá. Aquele desejo incontrolável tomava cada vez mais posse do que era seu, esquecendo que existem pessoas e que pessoas não se importam com nada que seja muito emocional, a não ser que elas o sejam também. Jogou baralho, bebeu, fumou, passeou com os cachorros. Dirigiu, ensurdeceu, esqueceu o mundo, leu um livro, estudou. A vontade continuava forte, apertada no peito como um balão prestes a explodir. Procurou seu amante de sempre, quem sabe ele não tirava aquele desejo dentro do peito? Vontade e desejo é falta de coisas interessantes para fazer, quem sabe não fez nada de interessante pensando que fez? Não adiantou, para variar. Então se enconlheu em seu quarto, escondida de todos e se pôs a chorar. Chorou até não ter ar, até os soluços pararem por falta de força corporal, até o corpo se esgotar e dormir. Quem disse que desapegar é fácil, quando tudo que se queria é tudo que nunca se teve e de repente surge e some como um passe de mágica? Os olhos secaram, mas a ferida continua aberta, firme. Cicatrizes podem ser lindas, mas ainda assim doem ao cicatrizar.


Paula Cristina.

Comentários

  1. Isso me fez lembra um trecho de um texto meu: "Depois de todo esse tempo
    Eu nunca pensei que estaria aqui
    Derramando lágrimas nas minhas velhas cicatrizes"

    De fato, elas demoram para sarar..

    Adorei o texto e vou seguir o blog..rs

    Dá uma olhada em "Cartas Mortas", ok?

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