Pular para o conteúdo principal

Crise do dia

De repente tudo saiu de foco e ser Alice era tudo que se queria por um momento. Se não tivesse jeito poderia ser Pollyana ou Luna ou uma outra qualquer, mas ser naquele momento si mesma não estava adiantando muito. Irritou-se ao ver pessoas conformadas olhando-a como se fosse outro dia mais, um dia sem nada fora do comum. Aquilo não era ela. Costumava sentar no meio fio e passar horas e horas lendo, gostava de ficar a vaguear por aí como um cachorrinho sem dono se esbaldando com açaí ou picolé de limão. Chegava a cojitar a idéia de fugir de casa, se tornar viajante e trabalhar o necessário para comer e ter um agasalho na mão quando precisasse. Nunca o fez, pois como já dizia Kafka: é mais fácil ir por caminhos que não se quer, assim não existe frustração de não se ter chegado longe. A questão é que de tanto se sentir presa passou a desenvolver hábitos desagradáveis para poder fugir da dor aflingida por si mesma. Tal qual dizia um poema: que eu não me desvie do caminho e se, por acaso o fizer que me jogues uma dor tão grande e traiçoeira que me faça voltar a mim. Amaldiçoada pelo poema que fizera de prece por tantos anos estava agora dividida entre a morte emocional e a morte social. Tudo tão ligeiramente entrelaçado, um não poderia viver sem o outro e por isso deveria achar uma outra solução para a vida. Queria viver, apesar de tudo amava a vida, o problema era achar uma saída dentro de um vulcão, na sua parte mais escura e prestes à erupção.
Paula Cristina.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A voz no telefone

O telefone tocou uma, duas, três vezes e do outro lado uma voz diferente, mas conhecida atendeu. Estava tão perdida em pensamentos e barulhos externos e internos que não conseguia raciocinar de quem era a voz. "Quer falar com quem?" - perguntou. Responde o nome da amiga. "Ela não está aqui agora, quem é?". "Mary Anne." a voz responde: "Mary Anne? Quando ela voltar, aviso que você ligou. É o Thomas quem está falando." Ela responde "Quem?", ele: "Thomas". Ficou sem reação. Ele sabia que era ela, tinha certeza agora. A pergunta foi mais uma forma para dizer quem falava. O coração bateu acelerado. Será que era ele mesmo? Existem tantos Thomas no mundo. Mas não, devia ser ele! Só podia ser ele! Desligou o telefone, ainda sem reação. O sorriso se alargou na face. Que saudade. Que saudade. Paula Cristina.

Ao léu

A noite escura, os passos largos, o banco da praça escondido pelas sombras, a cerveja numa mão, o cigarro na outra. Soltou o cabelo, a medalinha na mão. Riu de si e de seus meros surtos, aqueles tão antigos que nem se lembra quando foi a última vez que os deixou se apoderarem. Fechou os olhos e recitou, utilizando toda a energia restante, aquele poema tão antigo quanto sempre soubera. Enquanto recitava bebericava da garrafa de cerveja, sentindo o líquido escorrer pela garganta, leve, solto, ondulante. Cansou do cigarro, mas deixou-o ali, queimando, apenas para sentir o cheiro da fumaça dançando sobre seu corpo. Lembrou daquela canção que cantava quando estava feliz, riu-se. Onde já se viu: triste, lembrar de momentos felizes. Não fazia um pingo de sentido, mas mais uma vez, nunca fez sentido, nem mesmo para si. Assistiu a morte chegando devagar e impossibilitando um gato na rua. Não moveu um músculo, não se importava, pelo menos não hoje. Fuzilou a noite com um olhar avassalador. Quem

Clichê

Como não acreditar em clichês, quando eu sou fruto dele? Filha do amor, isso é tudo que eu posso me tornar. Não adianta tentar esconder ou fugir da verdade nefasta que sou. Quanto mais fujo do amor, mais eu me perco de mim mesma. É curioso como algumas pessoas entendem o amor como algo sério, duro e difícil. E talvez seja se você busca esse amor como uma forma de garantia de sua felicidade. A questão é que o amor não é garantia de felicidade. O amor é um ato que nasce do servir. Mas não o servir capitalista de fazer algo para receber em troca. Este ato de servir deve ser puro, sem segundas intenções. Você intui a importância de uma ação e age servindo, entregando seu melhor, porque é necessário. Muitas vezes o amor é confundido com sentimento, porque junto da intuição e da ação vem uma paz e uma alegria, que misturadas, trazem um sentimento inexplicável que para cada pessoa terá uma cor, um cheiro, uma sensação e uma lembrança diferentes, que combinados trazem emoções e sentimentos à t