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A sombra e a medalinha

A face mais escura presa dentro do espelho esperando ser solta com um leve toque. Não aguentava mais tudo aquilo. Necessitava sair, se entorpecer, se beliscar, mentir. A cabeça latejando com as ridículas tentativas do mundo de ser igual. Quando é que vão se tocar de que não existe igual? Lê um livro, assiste um filme, anda para lá e para cá dentro de casa. Tenta vomitar só para ter o prazer de sentir a garganta arder por um breve momento logo após o vômito sair. Não consegue. Não tem nada para vomitar. Raspa as unhas no peito, senti-las arranhando. Fecha os olhos, acalma a mente. Que saudade da meditação. Infelizmente ela não tem tido efeito ultimamente. Tem novidades inesperadas e por incrível que pareça não sente nada. Pensava que sentiria um ciúme crucidante correndo pelas veias, mas percebe que não faz diferença alguma e mais uma vez constata que nunca se apaixonou e acha graça disso. Não se assusta como tantas outras vezes de ter que ficar sozinha. A dor que sente vai passando, as alucinações continuam, é tudo muito parecido com o que sempre foi, com uma diferença: hoje não precisa do amor dos outros, tem o seu próprio e isso basta, pelo menos por hoje e a medalinha secreta que tem escondida a faz lembrar que foi forte mais um dia e isso a deixa orgulhosa de si. A medalinha a lembra de tudo que foi e tudo que é. E o modo como ela coloriu e deu forma à sua gestalt é só dela. É essa posse de si, essa identidade camuflada que a mantém sã o suficiente para não desistir e a mantém louca o suficiente para lembrar-se de si. A medalinha é a casa da sombra e a sombra é a alma incorporada da medalinha.

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Ao léu

A noite escura, os passos largos, o banco da praça escondido pelas sombras, a cerveja numa mão, o cigarro na outra. Soltou o cabelo, a medalinha na mão. Riu de si e de seus meros surtos, aqueles tão antigos que nem se lembra quando foi a última vez que os deixou se apoderarem. Fechou os olhos e recitou, utilizando toda a energia restante, aquele poema tão antigo quanto sempre soubera. Enquanto recitava bebericava da garrafa de cerveja, sentindo o líquido escorrer pela garganta, leve, solto, ondulante. Cansou do cigarro, mas deixou-o ali, queimando, apenas para sentir o cheiro da fumaça dançando sobre seu corpo. Lembrou daquela canção que cantava quando estava feliz, riu-se. Onde já se viu: triste, lembrar de momentos felizes. Não fazia um pingo de sentido, mas mais uma vez, nunca fez sentido, nem mesmo para si. Assistiu a morte chegando devagar e impossibilitando um gato na rua. Não moveu um músculo, não se importava, pelo menos não hoje. Fuzilou a noite com um olhar avassalador. Quem

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