Pular para o conteúdo principal

história mórbida

Ele não sabia o que queria, como queria... tudo que sabia era simplesmente sentir aquele vazio que o atormentava. As ruas pareciam escuras, enegrecidas e o toque místico do vento sussurrando em seu ouvido quase causava um "frenesi" momentâneo que nunca chegava a se completar. O sangue escorrendo pelas mãos trêmulas de tanta força usada para mantê-las cerradas, o coração disparado condenava toda uma rua deserta pelas batidas surdas que se deixavam ouvir pelo corpo e ecoar pelo vazio. Qualquer um que visse aquela cena, pensaria em alguém perigoso com cara de psicopata como naqueles filmes clássicos de terror. Mas olhando por entre-linhas, ali estava um assustado, perdido, sofrido, embriagado pelas próprias emoções. Qualquer um que o visse diria que estava embriagado, mas as gotas de álcool que mais próximo chegaram foram aquelas que adentravam bocas outras ao seu lado, que não a dele. Olhou para trás e viu aquela mancha de sangue o seguindo e denunciando-o de seu paradeiro. Como queria sangue-sugas nesse momento para que lambessem o chão, e encobrissem seu crime. A consciência pesou. Uma hora dariam por falta do Leo e a primeira pessoa que procuraria, o primeiro suspeito seria ele, já que era seu melhor amigo. Virou na próxima esquina, distanciando-se de casa. Andou duas quadras inteiras até chegar à delegacia.

Matei um homem - disse em uma voz fria e controlada. A mulher atrás do balcão olhou-o assustada.
- Sente-se, por favor - e discando o telefone disse numa tentativa de aparentar calma - Senhor, há um homem aqui dizendo ter matado alguém. - Aguardou as instruções do outro lado da linha, desligou o telefone e sorriu forçadamente à ele.
- Tenho que pegar os dados do senhor, se não se importar. Protocolos. Sabe como é.
Ele a fitou calmamente, pegou os documentos e entregou à mão trêmula da mulher. "Ela trabalha em uma delegacia, lida com homicidas mentirosos o tempo todo e não consegue nem ao menos controlar o próprio medo?". Riu consigo pensando se seria tão perigoso quanto a mulher imaginava, concluiu que não e sorriu para a mulher.
O policial responsável por aquele turno incoveniente da madrugada apareceu por uma porta atrás da mulher, olhou a ficha do homicida e disse em uma voz seca - Você diz ter matado alguém?
- Sim, matei. Por motivo nenhum aparente.
- Precisarei de nome e lugar do corpo.
- Leonardo Guilherme Fontini. Está estirado dentro de sua própria casa, no chão da sala de estar.
A secretária se pôs a vasculhar o endereço do pobre indivíduo, mas ele não constava em nenhuma lista. - Senhor, não encontro registro de ninguém com esse nome, tem certeza de que esse era o nome?
- Tenho. Foi meu melhor amigo por 14 anos. - A mulher olhou assustada. Como alguém teria coragem de matar o melhor amigo?
- Pode me dizer o endereço, por favor? Quem sabe assim, o encontro?
- Rua 66 Qd. 40 Nº99
A mulher olhou pelo canto do olho para o policial, que foi logo ver o que ela olhava.
- Não consta nenhum Fontini nessa casa, senhor. Porque não nos leva até lá?
Outro policial já esperava à porta da delegacia com um carro logo atrás, algemaram-no e entraram no carro. Seguiram as direções dadas pelo homicida e chegaram ao portão de uma grande casa, com jardim na frente. O policial bateu na porta e uma mulher, como era de se esperar atendeu. O policial perguntou se alguém havia sido morto ali, mas ao contrário do que se esperava ela contou sobre um acontecimento estranho mais cedo.
Um homem entrou em sua casa completamente atordoado, mas passou direto por ela, como se não a visse. Chegou à sala de visitas e começou a gritar, ela correu em sua direção, com medo de que estive brigando com seus filhos, mas no mesmo instantes os três desciam as escadas para ver também o que estava acontecendo. Quando ela chegou à porta da sala, viu o estranho gritando com um nada à sua frente. Ele então começou a bater no ar, foi em direção à parede como se estivesse pressionando alguém contra ela, mas não havia ninguém ali, ele então começou a esmurrar a parede com força e gostas de sangue começaram a escorrer de sua mão. Olhou para o chão parecendo ver alguma coisa lá e pediu desculpas para alguém. Saiu da sala, passou pela mulher e as crianças parecendo não vê-los, abriu a porta e foi embora.
A madrugada estava fria, o carro voltou para a delegacia. O homem foi solto. Naquela noite alguém morreu, ninguém saberia quem era, nem mesmo ele. O corpo enterrado no jardim de sua própria casa, um pouco antes de sair pelas ruas sem rumo. Seu próprio filho, não registrado em um cartório. Uma aberração da natureza. Matara sua mãe quando nasceu e por catorze anos fora trancado no porão da casa em que vivia. O sangue escorrendo pelas paredes foram lavados e a raiva fora camuflada por leves tons de cinza.O homem se matou naquela mesma noite. A casa estava assombrada.



Paula Cristina.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ao léu

A noite escura, os passos largos, o banco da praça escondido pelas sombras, a cerveja numa mão, o cigarro na outra. Soltou o cabelo, a medalinha na mão. Riu de si e de seus meros surtos, aqueles tão antigos que nem se lembra quando foi a última vez que os deixou se apoderarem. Fechou os olhos e recitou, utilizando toda a energia restante, aquele poema tão antigo quanto sempre soubera. Enquanto recitava bebericava da garrafa de cerveja, sentindo o líquido escorrer pela garganta, leve, solto, ondulante. Cansou do cigarro, mas deixou-o ali, queimando, apenas para sentir o cheiro da fumaça dançando sobre seu corpo. Lembrou daquela canção que cantava quando estava feliz, riu-se. Onde já se viu: triste, lembrar de momentos felizes. Não fazia um pingo de sentido, mas mais uma vez, nunca fez sentido, nem mesmo para si. Assistiu a morte chegando devagar e impossibilitando um gato na rua. Não moveu um músculo, não se importava, pelo menos não hoje. Fuzilou a noite com um olhar avassalador. Quem

A voz no telefone

O telefone tocou uma, duas, três vezes e do outro lado uma voz diferente, mas conhecida atendeu. Estava tão perdida em pensamentos e barulhos externos e internos que não conseguia raciocinar de quem era a voz. "Quer falar com quem?" - perguntou. Responde o nome da amiga. "Ela não está aqui agora, quem é?". "Mary Anne." a voz responde: "Mary Anne? Quando ela voltar, aviso que você ligou. É o Thomas quem está falando." Ela responde "Quem?", ele: "Thomas". Ficou sem reação. Ele sabia que era ela, tinha certeza agora. A pergunta foi mais uma forma para dizer quem falava. O coração bateu acelerado. Será que era ele mesmo? Existem tantos Thomas no mundo. Mas não, devia ser ele! Só podia ser ele! Desligou o telefone, ainda sem reação. O sorriso se alargou na face. Que saudade. Que saudade. Paula Cristina.

Clichê

Como não acreditar em clichês, quando eu sou fruto dele? Filha do amor, isso é tudo que eu posso me tornar. Não adianta tentar esconder ou fugir da verdade nefasta que sou. Quanto mais fujo do amor, mais eu me perco de mim mesma. É curioso como algumas pessoas entendem o amor como algo sério, duro e difícil. E talvez seja se você busca esse amor como uma forma de garantia de sua felicidade. A questão é que o amor não é garantia de felicidade. O amor é um ato que nasce do servir. Mas não o servir capitalista de fazer algo para receber em troca. Este ato de servir deve ser puro, sem segundas intenções. Você intui a importância de uma ação e age servindo, entregando seu melhor, porque é necessário. Muitas vezes o amor é confundido com sentimento, porque junto da intuição e da ação vem uma paz e uma alegria, que misturadas, trazem um sentimento inexplicável que para cada pessoa terá uma cor, um cheiro, uma sensação e uma lembrança diferentes, que combinados trazem emoções e sentimentos à t