A luz do sol refletida na xícara de café em cima da mesa denunciava as oito horas da manhã em que o café da manhã era pontualmente servido no jardim. Ela segurava o jornal em frente ao seu rosto de modo a ver toda a extensão do mesmo sem precisar mover um músculo além dos olhos para cima e para baixo, de um lado para o outro.
- O dia está muito bonito para uma caminhada. - disse ele, com uma voz triste e rotineira.
-Sim está, quer que eu o acompanhe? Estamos mesmo precisando de um tempo para nós, não acha? - ela respondeu.
- Não sei se agora seria um momento oportuno para você. Além do mais tenho que passar na loja de ferramentas para olhar algumas coisas que ainda faltam ser organizadas. Quem sabe outro dia em que eu não esteja tão ocupado... - disse ele sem muitas delongas. Afinal de contas, ambos sabiam que estavam fartos de conversas enfadonhas e romantismos desnecessários.
- Tudo bem, como quiser. Só não demore muito, ontem chegou tão tarde que perdeu o almoço e quase também, o lanche da tarde. Me preocupo quando não come, pode ser que adoeça dessa forma. - respondeu ela com muito cuidado. Sabia que ultimamente estava extremamente sensível em relação a ajustes e compromissos.
Ele pegou sua carteira, o molho de chaves em cima do criado no corredor, deu um beijo na mulher e saiu andando de encontro com o mundo. A mulher ficou a olhar da janela até que o marido desaparecesse de vista na rua. Sorriu e se pôs a escrever freneticamente. Essas eram as melhores horas para escrever: não havia ninguém em casa e estava inspirada pelo homem que acabara de sair pela porta da frente.
As mãos dedilhavam levemente o teclado do computador, a música tocada era tão leve que lembrava um dia de domingo ensolarado em um campo aberto qualquer. As páginas pareciam ser escritas por si mesmas, sem mente pensante, sem dedos pulsantes, nem corações arrebatados. Apenas simples e puro milagre, como as obras deveriam ser (pelo menos, em sua cabeça).
A hora do almoço começava a se aproximar e ela então, pôs seu avental e fez o almoço mais caprichado que jamais fizera, afinal de contas valia o esforço. Arrumou o jardim, arrumou um buquê bonito de flores variadas no centro da mesa, escolheu o melhor vinho, colocou o melhor forro de mesa. Estava pronta para comemorar o aniversário de casamento. As horas foram passando, ele não chegava. Estava quase na hora do lanche e ainda assim, nada dele chegar (tudo bem, não fazia mal que tivesse esquecido, ele estava lá fora trabalhando e organizando para que a casa deles estivesse impecável). O lanche passou e no cair da noite a campainha toca (será que ele havia esquecido as chaves?).
Abriu a porta e não havia ninguém, apenas um bilhete dobrado em cima do tapete de boas-vindas. Nele estava escrito: "Minha querida, me desculpe. Durante o percurso de ida à loja de ferramentas descobri que não estou feliz nessa vida que levo. Amo-a muito, mas não sei viver com você. Não me esqueci do nosso aniversário, mas escolhi justamente este dia para que tenhamos vivido anos arrendondados juntos e assim nos poupe (a mim e a você) de contar os meses, os dias e as horas (nos casamos exatamente neste horário). E por meio dessa carta te aviso que só voltarei o dia que estiver feliz comigo, se nunca chegar a isto jamais voltarei. Com amor e saudades, seu sempre marido."
As lágrimas manchavam o papel. Ela o dobrou, pegou a melhor moldura que tinha na casa, tirou dela a foto, emoldurou a carta e colocou-a atrás da porta. Todas as vezes que a campainha tocava, ela olhava a moldura com a carta e com esperança abria a porta. Vezes sem conta nos primeiros meses fechava a porta e se punha a chorar. A escrita se tornou rara e inútil, as refeições nos jardins difíceis e pesadas. Até que um dia ignorou tudo aquilo e a moldura, ainda atrás da porta era lembrança de um passado lindo, as horas no jardins eram regadas de puro perdão e compreensão e as noites eram momentos de rendição ao fato de que ele nunca iria voltar. Era ela e ela e só. E todos os dias ela dormia com um anel de borboleta esperando que um dia ela também se transformaria na bela borboleta que fora a tempos, quando ele ainda pisava os chãos daquela casa...
Paula Cristina.
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