Cansada de mecher no livro de receitas deitou e tentou fechar a mente. Ultimamente sentia-se exausta. Levantou, tomou um banho, se arrumou e saiu. Mal chegara na festa ele apareceu. Aquele ar de galã sempre o rondando. Como odiava aquilo. Ele sabia deixá-la completamente sem ar, sem chão. Respirou fundo para que ninguém notasse as lágrimas que brigavam com seu corpo para surgir sob os olhos e manchar a maquiagem. Cumprimentou-o como se fosse um qualquer, mesmo querendo gritar a todos os pulmões "PORQUE NÃO EU?". A música ensurdecedora parecia cantiga de ninar de tanto caos empreguinado em si. Dirigiu-se ao bar, preparou um coquetel, virou à esquerda a um canto para encontrar um lugar onde pudesse sentar sozinha, com a música tocando levemente de longe, onde as sombras esconderiam a dor transparecida em suas mãos trêmulas. Achou o lugar perfeito: a beira de uma piscina, sob um lua de sangue. Alguma coisa estava por acontecer da qual ela teria que se afastar, mas o que? Ficou ali sabe-se quanto tempo até ouvir a voz dele em suas costas. De um sobressalto virou, deixando um pouco do coquetel cair na piscina. Ele sentou ao seu lado e nada disse por um tempo. Quando menos se esperava disse que ela estava sumida e que gostaria de sair com ela. Ela não acreditava no que ouvia, mas dessa vez tinha que ser mais forte, por ele e por ela. Negou o convite, inventou uma desculpa qualquer. Ele insistiu, ela também. Ficaram em silêncio mais uma vez. Seu coração já não batia loucamente, mas a felicidade que sentia em tê-lo por perto era incrivelmente dolorosa. Ele ia embora no dia seguinte e todas as promessas seriam passado quando a noite acabasse, como foi tantas e tantas vezes. O sangue na lua era a dor dela, a dor que a lua avisara que sentiria. Levantou, não devia ficar ali, sabia que sua dor era muito grande para resisti-lo por mais tempo. Foi embora da festa sem cumprimentar, nem despedir de ninguém. As lágrimas agora corriam soltas e no dia seguinte, lá estará ele com aquela que ele escolheu como sua mulher, enquanto ela, entre olhares doídos fingia um sorriso ao vê-los juntos. Aquela poderia ter sido ela, mas eram tão diferentes. No final das contas ela sabia que jamais dariam certo, não foram feitos para ficar juntos. Talvez ele nunca tenha visto quem ela era e talvez, ele nunca a amara. O que ficava no final das contas eram as inúmeras noites em que ela silenciosamente repetia para si, o que ficava no final das contas era amor. Amor este, incompreendido. Era esse seu destino, o amor. Ensinar os outros a amar, mas não sabia como, senão amando. E amar doía, cortava a alma em frangalhos e, às vezes, não dava tempo de curar e então, antes da dor cicatrizar vinha uma mais profunda e doída e o machucado nunca sarava. Mas era assim, sempre foi assim. Amar nem sempre é fácil. Amar dói. Mas isso todo mundo sabe um pouco. Shakespeare, entre tantos outros, já sabia antes mesmo do ser mundo como é hoje. Morgana também sabia. Quem sabe um dia ela amasse uma Morgana, assim a dor seria compartilhada. Poderia também amar Cleópatra ou aquele cara que se matou por amor. Talvez ainda amasse o mundo e então morreria com tantas cicatrizes quanto possível e quem sabe assim, o amor a consumisse de uma vez por todas e tirasse suas dores.
Paula Cristina.