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Ao léu

A noite escura, os passos largos, o banco da praça escondido pelas sombras, a cerveja numa mão, o cigarro na outra. Soltou o cabelo, a medalinha na mão. Riu de si e de seus meros surtos, aqueles tão antigos que nem se lembra quando foi a última vez que os deixou se apoderarem. Fechou os olhos e recitou, utilizando toda a energia restante, aquele poema tão antigo quanto sempre soubera. Enquanto recitava bebericava da garrafa de cerveja, sentindo o líquido escorrer pela garganta, leve, solto, ondulante. Cansou do cigarro, mas deixou-o ali, queimando, apenas para sentir o cheiro da fumaça dançando sobre seu corpo. Lembrou daquela canção que cantava quando estava feliz, riu-se. Onde já se viu: triste, lembrar de momentos felizes. Não fazia um pingo de sentido, mas mais uma vez, nunca fez sentido, nem mesmo para si. Assistiu a morte chegando devagar e impossibilitando um gato na rua. Não moveu um músculo, não se importava, pelo menos não hoje. Fuzilou a noite com um olhar avassalador. Quem a noite pensa que é para encobrir suas pegadas dessa forma? Absurdo, atrocidade, exaustão. Nada mais faz sentido, nem importa. Levanta, anda, a cerveja ainda na sua mão. O cigarro é arremessado para dentro da lata de lixo. Tira o casaco, a noite está quente. Anda horas a fio, sem saber para onde, sem saber quanto tempo se passou. Pára em frente a uma casa cheia de plantas, senta na calçada e fica a observar cada centímetro. Nunca havia notado uma entradinha com cara de jardim secreto ao lado da casa. Nem nota quando a moça do brinco de pérola olha pela cortina da janela aquela estranha parada na porta de sua casa. Uma lágrima pousa em sua bochecha: lágrima de anjo. Continua andando. Ao longe a casa cheia de plantas se torna escura, agora existe outra casa, ela não pára, não quer mais parar, quer correr, gritar. Não faz nada disso, ao invés tira as roupas e se atira no lago mais próximo. Sempre teve medo de lagos, mas que se dane, chegou ao fundo do posso e ou é isso ou é jogar a medalinha fora. Sai do lago, pega suas roupas, mas não as veste. Vai andando assim: seminua para casa. Já não sabe mais o caminho de casa, deparou com a casa cheia de plantas mais uma vez. A casa cheia de plantas não é sua casa, onde está sua casa? Continua andando, encontra-a finalmente, entra na casa, senta exausta no sofá e adormece ali mesmo, o sol já nascia lá fora, as pessoas iam acordando aos poucos. Ela, começava a dormir, perderia mais um dia de trabalho. Mais um dia perdido. Mas então, o que não era perdido em sua vida? Ela nem se lembrava do caminho de casa, chegou por uma mera coincidência, uma mera ocasião. Boa noite mundo.
Paula Cristina.

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