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O seminário

Foi tudo muito calmo, tranquilo, leve e solto até aquele momento crucial. O momento que veriam o que eu sabia de tudo que eu tinha certeza que não sabia. Juro, queria sair correndo, mas de tão paralizada, tudo que consegui fazer foi respirar fundo e dar um jeito de enganar todos. Contar para eles que eu sabia um pouco daquilo que nada sabia. E as palavras foram saindo, os olhos passavam por cada linha, cada pedaço de letra que transparecia em minha frente. Todos os olhos voltados para mim (eu que não sabia nada). E a medida que as palavras saíam eu descobria que sabia um pouco daquele nada que acreditava não saber. Do mínimo que exigia que os outros soubessem, mas que eu mesmo nunca sabia. E com o decorrer do tempo me vi inteiramente envolvida com algo que nem eu sabia que existia dentro de mim: uma mente pensante que sabe um pouco (o mínimo), mas o suficiente para fazê-los compreender. O medo, a vergonha, o desconcerto se transformavam e uma calma e uma serenidade fora do normal. Coisa que eu só havia sentido no palco (eu, meu personagem e o mundo imaginário que me mantinha ligada ao meu mais profundo ser). Achei graça daquilo, continuei falando. Percebi que ninguém percebia, depois de um tempo, o mar de aflição e pensamentos que passavam por mim, que me mantinha loucamente sã durante aquele seminário. Parecia tudo simples, mas não podia ser tão simples assim (nunca é!). Terminei a apresentação (eu disse apresentação? seminário. Será que acabei por me ver como em um palco no final das contas?). Começaram as perguntas e, a medida que iam perguntando, eu me perguntava se seria capaz de responder e ia respondendo cada pergunta com um medo crescente de estar fazendo papel de idiota (imagina, todos perceberem que nada sei... é por isso que é mais fácil só fazer um personagem, ninguém sabe do personagem e eu posso mudar o rumo das coisas, me virar, criar algo fora de senso e ainda assim, fazer as pessoas acreditarem que eu realmente fiz tudo do jeito certo. Mas um seminário? É algo muito mais elaborado... Não tem como você criar teorias: ou você sabe ou você não sabe e eu nunca sei...). Felizmente, respondi todas as perguntas e aquilo foi se tornando mais tranquilo do que imaginei ser, quando me dei conta estava sorrindo para as paredes. Tinha passado no teste, consegui saber algo que eu não sabia (ou pensava que não sabia, já não sei mais ao certo). Descobri outra forma de apresentação, uma arte mais sutil e mais difícil: saber algo. A arte, no final das contas, está em todos os lugares. Estou abismada comigo. Estou abismada com a própria descoberta de arte que eu fiz. Provavelmente dirão que sou louca, mas venhamos e convenhamos, ficar ali de pé "monologando" sobre alguma coisa, tentando deixar aquele assunto se tornar interessante, manter a atenção de todos e ainda assim se lembrar de tudo que estudou? Exige uma puta arte por parte do cara que está lá em cima e eu não sabia disso até hoje. A arte é definitivamente o fenômeno mais louco que eu conheci. Estou abismada.
Paula Cristina.

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