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Caminhos separados

As lágrimas queriam escorrer e então ela se virou e de raiva prometeu que jamais olharia para trás de volta. Domando o que restava de controle, impediu que seu corpo tremesse enquanto se dirigia ao carro (e foi difícil cada passo). Então, como se não bastasse ele gritou palavras lindas, mas que soavam vazias ao toque doce do sentimento. "Adoro que você observe todos os meus passos e não admita por orgulho. Adoro quando você finge que não sabe quem eu sou e, de repente, como se nunca tivesse me visto olha nos meus olhos e parece ler até minha alma. Adoro que você vá e volte e que fique. Adoro como você se mantém leal às pessoas, mesmo quando elas não se importam de forma alguma. Adoro também como você finge não se importar agora e fica de costas para que eu não veja suas lágrimas queimarem seu rosto. Adoro que você se esforce para que ninguém se machuque. Mas odeio uma coisa em você. Odeio que você vá embora agora, principalmente porque sei que dessa vez, mesmo doendo, você não voltará." A porta do carro abriu, as mãos dela escorregavam da maçaneta até a parte de dentro da porta. Sentou, fechou o carro. Ele não sabia (ou menos ela gostava de acreditar que não), mas ela sabia que ele estava parado daquele mesmo jeito de sempre, com um copo em uma mão, a outra solta ao lado do corpo fingindo não se importar que ela estivesse indo embora. Ligou o som, uma música bonita, dolorida, agitada para manter a aparência de leve descontração. Girou a chave na ignição, acelerou, olhou pelo retrovisor e o viu olhando, sem mover um músculo sequer. Não sabia se ele derramaria lágrimas, nem se sentiria sua falta e isso a incomodava porque ela sabia com uma leve certeza que sentiria falta dele e derramaria lágrimas de saudade. E ele, misterioso como sempre fora, não contava para ela o que sentia, o que pensava e ela ficava no escuro tentando encontrar uma forma de chegar a ele sem que ele percebesse. Ela aprendeu a se importar com ele. Chegou em casa, tirou as sandálias, abriu a geladeira para pegar uma cerveja. O clique ao abrir trouxe lembranças de quando ele sentava ao seu lado e abria uma lata ao lado dela. Teve vontade de chorar. Foi até o quarto e escolheu o melhor biquíni, a melhor toalha, tirou os brincos, o colar e os anéis e desceu. Sentou na beirada com os pés na água, a cerveja descia trazendo calma e leveza. Terminou de beber, pôs a lata de lado e afundou sentindo todo o corpo libertar energia. Nadou de um lado a outro, sentou na parte mais rasa e ficou olhando a lua. Fez uma prece silenciosamente e só quando tranquilizou a mente e o corpo saiu. Tomou um banho demorado, colocou um roupão e desceu para fazer yakissoba. O telefone não tocava, ele não ia ligar, ela sabia, mas insistia em esperar. "Porque fez aquela estúpida promessa para si? Não queria deixá-lo de lado, queria estar junto dele, mas era necessário seguir em frente". Comeu, bebeu, leu um livro, as horas passaram e ela nunca mais soube dele. Enquanto isso, ele sabia todos os passos dela, mas eram diferentes demais, eram pessoas separadas. Ele a amava e ela estava bem e isso bastava só por aqueles dias.

Paula Cristina.

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